Capítulo 5 - Especialização produtiva e inserção internacional |
Fonte: Marcos Milani Cardoso
Imagem de Topo: Época Negócios
Edição: Ignacio Montanha
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Data: 13 de Agosto 2010 |
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5. Especialização produtiva e inserção internacional
Mesmo após o programa do carro popular (vigente entre 1993 e 1995, estabelecendo um IPI simbólico de 0,3% a veículos equipados com motores de 1000 cilindradas, objetivando aquecer o mercado de veículos novos), os automóveis com de motorização 1.0 (1 litro) continuaram a ser o grande foco da indústria nacional dada a manutenção de benefícios tributários diferenciados para estes motores, tendo os populares atingido seu auge em 1991 quando 71% das vendas eram representadas por este tipo de veículo. Foi apenas a partir de 2002, com nova revisão do IPI (lançou-se um escalonamento que reduzia a vantagem dos populares com relação aos veículos com outras motorizações - atualmente as alíquotas estão em 7% para motores 1.0 e 11%, para motores até 2000 cilindradas flexíveis) que gradativamente houve o retorno proporcional da produção e busca por opções mais diversificadas de motorização (conforme ilustra o gráfico abaixo).
Gráfico 3: Vendas no mercado nacional por tipo de motorização
Fonte: Adaptado de dados da Anfavea
Isto, todavia, não significou uma sensível evolução em direção a modelos mais sofisticados, mas sim, a paulatina substituição do termo “populares” (vinculado à motorização 1.0) pelo “compactos”, em geral modelos igualmente básicos em termos de tamanho, conforto, nível de acabamento, segurança e acessórios, apenas agora dotados de uma motorização mais forte. O ranking dos modelos mais vendidos (tabela abaixo) revela que mesmo afastando-nos dos populares de 1000 cm 3, o mercado brasileiro ainda encontra-se bastante vinculado a modelos demasiadamente simples (os dez automóveis de passeio mais vendidos no país em 2009 – tabela 4 - correspondentes a 57,3% das vendas do ano são hatches compactos ou derivações destes). Em outras palavras, o incentivo vinculado a cilindradas, além de não auxiliar a driblar o atraso tecnológico por não estimular a pesquisa ou vinda de novas tecnologias.
No que tange às opções energéticas, há também marcante determinação das políticas públicas para o setor em sua configuração atual, havendo reduzida alíquota de IPI para veículos flexíveis, além de toda a promoção e incentivo do governo atual para a produção e disseminação (inclusive internacional) do emprego do Etanol. Tem assim inegável destaque o novo estímulo dado ao etanol oriundo da cana de açúcar nacional conferido pelos motores flexíveis (capazes de funcionar tanto com este combustível como com gasolina), sobretudo quando pensado o curto e médio prazos (dada a proximidade tecnológica que possibilita produção e até mesmo adaptação a um baixo custo, sem demandar modificações na infra estrutura de abastecimento), sendo atualmente flexíveis 95% dos novos automóveis de passeio vendidos (numero que somente não é maior devido à participação de importados ainda sem esta opção de motorização nas vendas no país).
Colocação |
Modelo |
Categoria* |
Unidades vendidas |
1 |
Gol |
Hatch compacto |
303.051 |
2 |
Palio |
Hatch compacto |
203.735 |
3 |
Uno |
Hatch compacto |
168.499 |
4 |
Celta |
Hatch compacto |
139.420 |
5 |
Corsa Sedan |
Sedan compacto |
138.010 |
6 |
Siena |
Sedan compacto |
116.058 |
7 |
Fox |
Hatch compacto |
107.035 |
8 |
Voyage |
Sedan compacto |
85.682 |
9 |
Ka |
Hatch compacto |
83.957 |
10 |
Fiesta |
Hatch compacto "premium" |
73.017 |
* Classificação não formal realizada para as finalidades deste trabalho
Tabela 4: Ranking dos veículos de passeio mais vendidos em 2009
Fonte: Adaptado dedados da Fenabrave
Todavia, trata-se de uma opção energéticas bastante restrita ao mercado nacional, destoando das pesquisas de outras fontes e mesmo produção de veículos elétricos e híbridos, tendência em outros países. Ainda há grande indefinição neste âmbito com destaque para que, no recém anunciado pacote de investimentos do Ministério da Ciência e Tecnologia, não há fundos especificamente destinados a pesquisas energéticas.
Gráfico 4: País de destino das exportações brasileiras em 2009
Fonte: Adaptado de dados da Anfavea
Gráfico 5: Continente de destino das exportações brasileiras em 2009
Fonte: Adaptado de dados da Anfavea
Quando pensada a tendência de produção de modelos globais (centralização e especialização de cada país em soluções comuns que atendam diferentes mercados em uma espécie de divisão internacional do trabalho no setor), fica claro que o Brasil, com um portfólio restrito, defasado com relação a muitos mercados e focado em modelos compactos de baixo custo (fruto da mencionada especialização produtiva), fica mais restrito e vinculado a exportações para países em desenvolvimento (estando mais de 73% das exportações do setor voltadas a países da América Latina, tal como ilustrado no gráfico anterior). Reflexo desta especialização é o relativamente baixo valor agregado das exportações do setor, como, por exemplo, a sucursal brasileira da Fiat que, mesmo detendo 33% das vendas da marca, responde com apenas 20% do faturamento (número menos que proporcional).
Mais detalhadamente, 82,5% das unidades exportadas pelo Brasil correspondem a modelos compactos e seus derivados, sendo apenas 2,7% das unidades enviadas ao exterior equipadas com motor de 1000 cilindradas, indicando o descompasso da especialização nacional com o exterior.
Tem-se assim que a sucessiva queda no valor exportado pelo setor a partir de 2005 (quando a indústria atingiu seu ápice de vendas ao mercado externo), com abrupta baixa em 2009 (em decorrência da crise mundial, tendo as exportações retrocedido para números próximos aos de 2002) parece não estar apenas atrelada à conjuntura sistema mundial, mas também a uma errônea especialização produtiva do país, sendo que muitas sucursais brasileiras tem perdido projetos de produção de novos veículos (projetos de carros mundiais focando a especialização produtiva global, ou seja, veículos que serão produzidos em um único país para abastecer todos os mercados globais em que tal modelo for ofertado) para outros países em desenvolvimento (como o México e a Argentina) que além de muitas vezes possuírem melhor penetração em outros mercados (devido benefícios tarifários negociados com grandes mercados, o que ocorre com os mexicanos que tanto podem exportar para o Brasil, com quem o país tem um acordo bilateral de imposto de importação zero, como para os Estados Unidos, pelo fato do México integrar o bloco de integração econômica da América do Norte: o NAFTA – North American Free Trade Agreement).
Gráfico 6: Evolução das exportações brasileiras de veículos e comerciais leves
Fonte: Adaptado dedados da Anfavea
Se, de um lado e como evidenciado pelos coeficientes de exportação (mostrados na tabela abaixo - média nacional de 14,9% de toda a produção voltada ao mercado exportador), as exportações brasileiras sofrem uma queda com as multinacionais automotivas atuantes no Brasil estarem deslocando projetos para outros países, a contrapartida também é verdadeira: atualmente mais 40 modelos do mercado brasileiro vem da Argentina e do México (Ford Focus, Fusion e Fiesta Sedan, Volkswagen Amarok, Jetta, Jetta Variant e Spacefox, Cietroen C4, Honda CR-V para ficar em alguns exemplos). Isto sobretudo em segmentos superiores em que, dadas as políticas nacionais, o Brasil não tem especialização nem competitividade, o que explica o fato do segmento de sedãs médios ter a maior parte dos modelos originados da Argentina e México (Nissan Sentra, Peugeot 307 Sedan, Jetta e Bora, da Volks, Citroën C4 Pallas e os Ford Focus Sedan e Fusion frente aos nacionais Honda Civic, Toyota Corolla e Chevrolet Vectra).
Marcas |
Produção (unidades) |
Exportações (unidades) |
Coef. Export. |
Fiat e Iveco |
739.074 |
45.354 |
6,1% |
VW |
857.549 |
210.710 |
24,6% |
GM |
598.773 |
50.559 |
8,4% |
Ford |
322.226 |
53.643 |
16,6% |
PSA Peugeot-Citroën |
117.289 |
15.224 |
13,0% |
Honda |
132.122 |
19.086 |
14,4% |
Renault |
121.529 |
34.985 |
28,8% |
Toyota |
62.713 |
8.307 |
13,2% |
Hyundai |
6.814 |
- |
0,0% |
Mitsubishi |
32.429 |
- |
0,0% |
Nissan |
18.908 |
- |
0,0% |
Outras marcas* |
15.329 |
14.045 |
91,6% |
Total |
3.024.755 |
451.913 |
14,9% |
* Alto coeficiente de exportação sobretudo devido à Mercedes que tem a quase totalidade da produção voltado ao mercado exportador |
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Tabela 5: Coeficiente de exportação das indústrias automobilísticas nacionais
Fonte: Adaptado dedados da Anfavea
No que tange ao mercado de hatches médios, mesmo o maior número de modelos ser de nacionais (VW Golf, Fiat Stilo e Chevrolet Astra e Vectra GT), estes estão em clara defasagem (tecnológica e de geração) quanto comparados aos importados Nissan Tiida, Novo Ford Focus, Hyundai i30 e Subaru Impreza).
O mesmo acontece com as picapes médias e grandes, em que quatro envelhecidos modelos nacionais (Chevrolet S10, Nissan Frontier, Ford F-250 e Mitsubishi L200) duelam com mais recentes e modernos modelos vindos do exterior (Toyota Hilux, Dodge Ram e VW Amarok).
Isto explica, inclusive, o maior número de produtos importados no Brasil, o que tampouco pode ser creditado somente à questão cambial, mas sim às estratégias das multinacionais do setor que optam por trazer muitos de seus modelos de fora, onde possuem escala eficiente na produção de veículos de maior complexidade tecnológica.
Gráfico 7: Participação de importados no total de vendas no mercado nacional
Fonte: Adaptado de dados da Anfavea