Capítulo 1 - Introdução: conjuntura e características básicas da indústria automobilística brasileira |
Fonte: Marcos Milani Cardoso
Imagem de Topo: Época Negócios
Edição: Ignacio Montanha
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Data: 13 de Agosto de 2010 |
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Por Marcos Milani Cardoso ( Especialista em Negócios Internacionais, economista e bacharel em Relações Internacionais, docente e pesquisador da área automotiva. )
1. Introdução: conjuntura e características básicas da indústria automobilística brasileira
Galgando sucessivos recordes de vendas e produção, a indústria automotiva brasileira vem obtendo crescente destaque tanto na economia nacional quanto perante a perspectiva internacional, tendo o Brasil hoje a oitava maior frota, o quarto maior mercado e sexta maior produção de veículos de passeio e comerciais leves do mundo.
Para a economia doméstica, segundo o Anuário da Indústria Automobilística Brasileira da Anfavea de 2009, o setor (incluindo as empresas de auto peças e a produção de veículos agrícolas) gerou um faturamento de US$79 bilhões, o que representa 23% do PIB industrial e 5% do PIB total (em consonância ao que ocorre em países desenvolvidos como nos EUA onde o setor representa historicamente algo em torno de 3 a 3,5% do PIB total segundo dados da instituição de pesquisas CAR - Center for Automotive Research), contribuindo com R$35,7 bilhões para a arrecadação de tributos.
Internamente, além dos números expostos e do já histórico peso do setor para o dinamismo econômico (tendo seu crescimento coincidido com a própria industrialização brasileira desde o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek), sua representatividade é evidenciada pela recente política de redução do IPI para este mercado iniciada em dezembro de 2008 (no auge da crise financeira mundial deflagrada com o a bolha originada na especulação imobiliária norte americana) para salvaguardar o dinamismo da economia local através do transbordamento a jusante e a montante desta indústria.
Além desta política temporária de redução do IPI, contribuiu para o desempenho ostentado pelo setor a conjuntura macroeconômica imperante até então com a taxa de juros básica (Selic) mantida aos menores níveis históricos em 2009 (8,75% a.a.), inflação controlada, crescimento acelerado da renda (com saldo real positivo, previsto para 6% em 2010, dado o controle inflacionário) e do PIB (atingindo taxas de dois dígitos nos primeiros meses de 2010), aumento do emprego (taxa de desemprego em torno de 7,5%) e abundância de crédito.
Na âmbito das estratégias globais das transnacionais do setor, merece destaque o que parece ser uma nova onda de novos entrantes no jogo de produtores de veículos automotores no Brasil (sobretudo das marcas do leste asiático) com destaque para a construção das fábricas da Hyundai e Toyota em Piracicaba e Sorocaba, respectivamente, além do ingresso, ainda que bem mais tímido, de um grande número de empresas chinesas: Chery, JAC, Great Wall, BYD, Harbin Hafei, AviChina, Chana Motors, Effa Motors entre outras. Não menos representativos (e em grande parte até mesmo estimulados pela pressão de entrada imposta pelos novos entrantes) são os planos de investimento das empresas já estabelecidas (majoritariamente em carros compactos e seus derivados, que representam por quase 80% do market share nacional), conforme ilustrado pela tabela 1.
Montadora |
Montante previsto |
Período |
Destino dos investimentos |
VW |
6,2 bilhões (R$) |
2010 – 2014 |
40% na modernização e ampliação das unidades de produção, 60% em novos produtos |
Fiat |
5 bilhões (R$) |
2008 – 2010 |
Ampliação da capacidade produtiva de 700 para 800 mil veículos ao ano. |
GM |
5 bilhões (R$) |
2008 – 2012 |
Ampliação da capacidade produtiva e renovação do portfólio |
Ford |
4,5 bilhões (R$) |
2011 – 2015 |
Ampliação da capacidade produtiva e renovação do portfólio |
Tabela 1: Investimentos previstos das quatro grandes montadoras do mercado automobilístico brasileiro
Fonte: Adaptado das divulgações nos próprios websites das respectivas montadoras
A despeito das perspectivas de investimento e dos bons números apresentados pelo setor, é fato que a indústria automotiva brasileira apresenta como uma de suas principais peculiaridades forte especialização na produção de modelos bastante despojados (compactos com um mínimo de tecnologia, acessórios, itens de conforto e de segurança, opções de motorização e rigor no acabamento), típico de países em desenvolvimento, estando ainda os modelos nacionais de maior porte (hatches e sedãs médios além de veículos de maior porte) bastante defasados em relação aos países centrais (estão aqui disponíveis modelos de gerações anteriores ou apenas adaptações com carrocerias modernas montadas sobre plataformas e conjunto mecânico ultrapassados e com tecnologia, em geral, igualmente ultrapassada).
Neste sentido, Cledorvino Belini, atual presidente da Anfavea, anunciou como fundamentais os investimentos da ordem de US$ 11,2 bilhões a serem realizados no setor entre 2010 e 2012 (número bastante positivo quando contrastado aos US$ 8,1 bilhões do triênio anterior - 2007 a 2009). Tal montante deve ser dirigido majoritariamente às áreas de desenvolvimento de novos produtos, plataformas, processos tecnológicos de produção, ampliação de capacidade e eliminação de gargalos, em um movimento que Belini caracterizou como “choque de competitividade” na indústria automobilística brasileira, buscando um maior alinhamento da produção doméstica com os parâmetros de competitividade internacionais.
Dada esta breve contextualização, o presente artigo visa constituir uma caracterização do mercado automotivo brasileiro (base para entendimento das estratégias das montadoras e atual dinâmica do setor), sendo analisadas algumas características e especificidades da oferta e demanda automotiva de forma a permitir o entendimento da atual configuração do setor, das tendências para os próximos anos (com a entrada de novos concorrentes) e de como, a despeito do relativo atraso tecnológico e de inovação (mais relacionado aos produtos que aos processos produtivos), são mantidos números que indiquem a pujança deste setor nacional.
Esta análise está estruturada em cinco sessões, além desta introdução. A primeira apresentada, diante da estrutura de mercado oligopolizada típica do setor automotivo brasileiro, o padrão de concorrência (precificação, competição inovadora pela diferenciação de produtos). A segunda sessão traz uma evolução dos índices de concentração atuais com os do início da década, pensando ainda as tendências para o arranjo competitivo do setor. Na terceira parte deste artigo é feita uma discussão sobre as barreiras à entrada de novas empresas, apresentando ainda os principais empecilhos à penetração dos novos atores. A quarta sessão discute a especialização produtiva e a inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho do setor. A quinta sessão se incumbe de analisar algumas características da demanda de veículos de passeio e comerciais leves, pensando a sensibilidade desta com relação a variações no preço, na renda e no crédito, além de apresentar as principais modalidades de pagamento, as características no padrão de financiamento e os atributos considerados pelo mercado na aquisição de produtos automotivos. Por fim, são delineadas algumas sucintas conclusões sobre o atual panorama da indústria automobilísticas brasileira, sendo deixadas algumas percepções acerca de como a instrumentalização das políticas públicas para o setor e as estratégias das empresas (sobretudo dos novos concorrentes) podem alterar a dinâmica e características desta indústria no país.
Tomar-se-á como recorte analítico o mercado de veículos de passeio (automóveis) e comerciais leves (utilitários esportivos, pick-ups e mesmo alguns furgões), posto que, a despeito das diferentes propostas dos veículos das duas categorias, pick-ups e utilitários são mais comumente vistos pelo consumidor como substitutos perfeitos aos automóveis (pouco sendo submetidos às reais condições de carga para que foram projetados), possuindo, além de similaridades técnico produtivas, um perfil de consumo bastante semelhante. Nota-se ainda que visando evitar desvios sazonais nas comparações e evoluções históricas (derivações da troca de modelos, políticas públicas, etc.) convencionou-se, salvo disposto contrário, empregar indicadores anualizados (de produção, consumo, exportações) nas análises.